09 June 2012

À medida que avançávamos, recebemos mais notícias sobre cristãos e íamos informando que os buscávamos para dizer-lhes que não mais tratassem mal os índios, não os matassem nem os transformassem mais em escravos.

Andamos por muito tempo e encontramos toda a terra despovoada, porque os moradores fugiram para as serras, se ousar manter as casas e lavouras, com medo dos cristãos. Uma das coisas que nos deram mais pesar foi ver aquelas terras tão férteis, tão bonitas e tão providas de águas e rios estarem sendo abandonadas, as casas queimadas e aquela gente sem poder plantar o que comer, tendo de passar fome e ir enfraquecendo gradualmente, visto que nãocomiam mais do que raízes e cascas de árvores. Nós, no entanto, conseguimos manter contato com aqueles povos e eles nos trouxeram mantas e nos contaram como os cristãos haviam entrado em suas terras, destruído e queimado os povoados, e carregado com eles grande parte de seus homens, mulheres e jovens, feitos escravos. Os demais tiveram de fugir para escapar tanta crueldade. [...]

Isto vem demonstrar que toda essa gente pode ser atraída ao cristianismo e à obediência à imperial majestade, desde que lhe seja dispensado um bom tratamento. Estes com que estávamos nos levaram aos picos de umas serras muito íngremes, onde encontramos muita gente reunida e refugiada dos cristãos. [...]

Receberam-nos bem, dando-nos o que possuiam. [...]

Disseram também que durante a noite haviam espionado os cristãos por trás de umas árvores e viram que eles carregavam muitos índios presos em correntes. [...]

Os índios não dão importância alguma para o ouro ou para a prata, não sabendo o valor que estes possuem. (89-91)

- Álvar Núñez CABEZA DE VACA in Naufrágios e Comentários. Tradução de Jurandir Soares dos Santos.