Andamos por
muito tempo e encontramos toda a terra despovoada, porque os moradores fugiram
para as serras, se ousar manter as casas e lavouras, com medo dos cristãos. Uma
das coisas que nos deram mais pesar foi ver aquelas terras tão férteis, tão
bonitas e tão providas de águas e rios estarem sendo abandonadas, as casas
queimadas e aquela gente sem poder plantar o que comer, tendo de passar fome e
ir enfraquecendo gradualmente, visto que nãocomiam mais do que raízes e cascas
de árvores. Nós, no entanto, conseguimos manter contato com aqueles povos e
eles nos trouxeram mantas e nos contaram como os cristãos haviam entrado em
suas terras, destruído e queimado os povoados, e carregado com eles grande
parte de seus homens, mulheres e jovens, feitos escravos. Os demais tiveram de
fugir para escapar tanta crueldade. [...]
Isto vem
demonstrar que toda essa gente pode ser atraída ao cristianismo e à obediência
à imperial majestade, desde que lhe seja dispensado um bom tratamento. Estes
com que estávamos nos levaram aos picos de umas serras muito íngremes, onde
encontramos muita gente reunida e refugiada dos cristãos. [...]
Receberam-nos
bem, dando-nos o que possuiam. [...]
Disseram
também que durante a noite haviam espionado os cristãos por trás de umas
árvores e viram que eles carregavam muitos índios presos em correntes. [...]
Os índios
não dão importância alguma para o ouro ou para a prata, não sabendo o valor que
estes possuem. (89-91)
- Álvar Núñez CABEZA DE VACA in Naufrágios e Comentários. Tradução de Jurandir Soares dos Santos.
- Álvar Núñez CABEZA DE VACA in Naufrágios e Comentários. Tradução de Jurandir Soares dos Santos.