30 June 2010

no more hiatus

estive no Brasil desde fins de maio, e por conta da rotina lá alterada, deixei o blógue desativado. mas volto hoje para dizer que entre as coisas que fiz na pátria amada foi ler A Varanda do Frangipani de Mia Couto. a primeira frase do livro Sou o morto casa bela e poeticamente com as duas últimas Vou ficando do som das pedras. Me deito mais antigo que a morte. sim, o romance é a história de um morto-fantasma, um xipoco como se diz e Moçambique. havia morrido antes da independência de Moçambique sem ter tido um enterro próprio. vive na cova onde foi enterrado, sob uma árvore de Frangipani. o romance se passa à altura da guerra civil, cerca de vinte anos após a independência. o xipoco não está contente que a fortaleza virou um asilo de idosos, por isso, e seguindo o conselho de seu Pangolim (um tamanduá africano) retorna ao mundo dos vivos. a galeria de tipos que o xipoco vai encontrar é por demais fascinante. tendo-se encarnado no inspector Naíta quem investiga a morte de Vasco Excelêncio, diretor do asilo, vai ouvir depoimentos dos moradores locais: o velho-criança, o nostálgico português, pequeno ancião e a feiticeira. mas é Marta Gimo, a enfermeira, quem se mostra uma personagem mais complexa e através de quem a voz de Mia Couto se faz ouvir chamando atenção para a ameaça que uma cultura globalizada trás às tradições de séculos. aqui cito uma parte que sublinhei no meu livro (mania que tenho):
A vida é uma casa de duas portas. Há uns que entram e que têm medo de abrir a segunda porta. Ficam girando, dançando com o tempo, demorando-se na casa. Outros se decidem abrir, por vontade de sua mão, a porta traseira. Foi o que eu fiz, naquele momento. Minha mão volteou o fecho do armário, minha vida rodeou o abismo.
A Varanda do Frangipani de Mia Couto, Companhia das Letras, 2009, pags. 86-7