04 February 2010

a sílfide e o poeta


- Em que pensas, poeta? Pranteias algum amor mal parado? Sofres com a injustiça dos homens? Dói-te a desgraça alheia, ou é a própria que te sombreia a fronte?

Esta indagação era feita de um modo tão insinuante que Tito sem inquirir o motivo de curiosidade, respondeu imediatamente:

-  Penso na injustiça de Deus.

- É contraditória a expressão; Deus é a justiça.

- Não é. Se fosse teria repartido irmãmente a ternura pelos corações e não consentiria que um ardesse inutilmente pelo outro. O fenômeno da simpatia devia ser sempre recíproco, de maneira que a mulher não pudesse olhar com frieza para o homem, quando o homem levantasse olhos de amor para ela.

- Não és tu quem fala, poeta. É o teu amor-próprio ferido pela má paga do teu afeto. Mas de que te servem as musas? Entra no santuário da poesia, engolfa-te no seio da inspiração, esquecerás aí a dor da chaga que o mundo te abriu.

- Coitado de mim, respondeu o poeta, que tenho a poesia fria, e apagada a inspiração!

- De que precisas tu para dar vida à poesia e à inspiração?

- Preciso do que me falta... e falta-me tudo.

-  Tudo? És exagerado. Tens o selo com que Deus te distinguiu dos outros homens e isso te basta. Cismavas em deixar esta terra?

- É verdade.

- Bem; venho a propósito. Queres ir comigo?



do conto O País das Quimeras de Machado de Assis. Leia-o na íntegra aqui